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‘Fazíamos reuniões, mas não tinha mais clima’, diz ministro da Defesa sobre demissão de comandante do Exército

O ministro da Defesa, José Múcio, chamou o general Júlio César de Arruda, então comandante do Exército, para uma reunião no sábado de manhã na pasta. Ao se encontrarem, os dois tiveram uma conversa dura e objetiva. Múcio disse que, apesar de gostar de Arruda, seria preciso dar um novo rumo para a caserna, porque sentia que “não havia um envolvimento absoluto” do militar com o governo. O general se mostrou surpreso com a demissão e, pouco tempo depois, comunicou a situação ao Alto-Comando da Força, sem dar detalhes do motivo da sua saída precoce. O substituto na linha de sucessão por antiguidade, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, responsável pelo Comando Militar do Sudeste, foi indicado para assumir os quartéis. Por que, afinal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu fazer uma mudança drástica numa área considerada sensível para o governo?

– Houve os acampamentos dos quartéis. Por mais que nos esforçássemos, aquela não era uma situação resolvida. Depois, veio o 8 de janeiro, que criou muito problema. Foi um ato de vândalo misturado com terrorismo com suspeita de incitação ao golpe. Precisamos saber quem são os culpados. Evidentemente, o Exército não estava por trás daquilo, mas precisa punir as pessoas das Forças que estavam envolvidas naquilo e saber quem ajudou a depredar – diz Múcio ao GLOBO.

Lula nunca digeriu o fato de Arruda ter sido contra a prisão imediata das pessoas que invadiram as sedes dos Poderes em 8 de janeiro e estavam alojados em um acampamento em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília. O general alegava que havia mulheres e crianças no local que poderiam ser vítimas de um eventual confronto com a Polícia Militar. Essa postura irritou o presidente e ministros do governo, que passaram a pressionar o ministro da Defesa.

Múcio tentou contornar a desconfiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com integrantes das Forças Armadas após o ato. O ministro da Defesa chegou a intermediar encontros de ministros com militares e foi o principal articulador de uma reunião ocorrida na sexta-feira passada no Palácio do Planalto entre o mandatário e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. No encontro, foram discutidos investimentos prioritários em projetos militares. Apesar de o papo ter fluído, a página da crise não foi totalmente virada. A relação continuava estremecida.

 O presidente quer investir nas Forças Armadas. Mas ele não perdoou nem vai perdoar a ocupação dos acampamentos em frente ao Exército. Ele quer a apuração absoluta – afirma Múcio.

Ao final da reunião de Lula com militares no Planalto, todos estavam cientes de que seriam tomadas as providências necessárias para punir integrantes das Forças envolvidos no ataque aos Poderes. Até o momento, foram identificados três membros do Exército e um oficial da Marinha e um ex-cabo da Aeronáutica nos atos golpistas. Arruda, no entanto, dava sinais de resistência em responsabilizar gente ligada à caserna, porque queria evitar um “clima de revanchismo“, segundo relatos de pessoas próximas.

Um episódio recente agravou o incômodo de Lula com o ex-comandante do Exército. O general demonstrou contrariedade à ideia de revogar a designação do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, para comandar o 1º Batalhão de Ações e Comandos, unidade de Operações Especiais. Cid foi escolhido para o posto em maio do ano passado, mas só assumiria a cadeira em fevereiro. O Planalto já havia indicado que esperava que a nomeação fosse anulada, pois o homem de confiança do ex-presidente está na mira de uma investigação do Supremo Tribunal Federal (STF). Arruda, porém, relutava em aceitar essa possibilidade. A pessoas próximas, dizia que decisões administrativas do Exército cabia ao comandante.

Por essas razões, o general era visto como um obstáculo para a pacificação do governo com militares. Antes de ser demitido, ele se preparava para ficar duas semanas afastado do comando do Exército para fazer uma cirurgia eletiva. Essa ausência, segundo integrantes do governo, poderia postergar o processo de investigação de integrantes da Força envolvidos nos atos golpistas e adiar a saída de Arruda. Para se antecipar a essa situação, Múcio decidiu comunicar a demissão.

– Eu exauri ao máximo. Demorei para tomar a iniciativa, porque a hora foi agora. Eu precisava me convencer disso – afirma Múcio, acrescentando: – Tentei reconstruir essa relação, porque eu vim para pacificar a relação do governo com as Forças. Senti que não havia clima. Fazíamos reuniões, mas não tinha mais clima.

Arruda enfrentava desconfianças de integrantes do governo e até do Judiciário antes mesmo de ser escolhido por critério de antiguidade para assumir o comando do Exército, em 30 de dezembro. O general era visto como uma pessoa alinhada ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Coube ao ministro da Defesa trabalhar para tentar desarmar essa resistência.

— Eu fui ao Alexandre de Moraes (ministro do Supremo Tribunal Federal) dizer que me responsabilizava pela escolha. Tenho absoluta certeza que fiz o certo. Arruda é uma pessoa comprometida com o Exército, oficial da Arma de Engenharia, respeitado por todos — afirmou Mucio em entrevista à Globonews em dezembro, logo após ser confirmado no cargo.

Nos últimos dias, Lula vinha sendo aconselhado a se posicionar publicamente como o comandante supremo das Forças Armadas, conforme prevê a Constituição, e deixar claro que os militares estão subordinados a civis. Com a mudança na cúpula do Exército, o presidente espera que haja uma apuração rigorosa de integrantes da caserna envolvidos no ato golpista de 8 de janeiro e que aos quartéis fiquem distantes da política. Essa expectativa foi reforçada no sábado à noite por Lula numa conversa no Palácio do Planalto com o general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, substituto de Arruda.

O novo comandante do Exército ficou em evidência nos últimos ao ser publicado um vídeo em que discursa em defesa da democracia e reforçar o papel do Exército como instituição de Estado. “Ser militar é isso: ser profissional, é respeitar a hierarquia e disciplina, é ser coeso, é ser íntegro, é ter espirito de corpo, é defender a pátria, é ter uma instituição de Estado apolítica e apartidária. Não interessa quem está no comando a gente vai cumprir a missão do mesmo jeito”, disse o general Tomás durante uma cerimônia oficial em São Paulo. “Isso é ser militar, é não ter corrente. Isso não significa que o cara não seja um cidadão, que o cara não possa exercer o seu direito, ter opinião. Ele pode ter, mas ele não pode manifestar”, complementou.

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