Ao mesmo tempo, o Planalto sofreu críticas por sugerir penas de até 40 anos para crimes contra o Estado democrático de Direito, punição qualificada por especialistas como excessiva. A proposta, lançada para responder aos ataques golpistas de 8 de janeiro, despertou rumores de censura.
O governo, por sua vez, argumenta que a gravidade da invasão às sedes dos Poderes justifica o endurecimento de penas para proteger a democracia e autoridades. O ministro da Justiça, Flávio Dino, defendeu combater o “perigosíssimo nazifascismo do século 21”.
Dino coleciona embates com a oposição e já fez troça de “quem acha que a Terra é plana” em audiência na Câmara dos Deputados, atrelando o governo anterior ao negacionismo científico.
O deboche foi usado também em páginas oficiais para alfinetar o antecessor. Quando o ex-presidente se tornou inelegível, o perfil do governo no Twitter publicou o título “grande dia” e um emoji de “joinha” —elementos usados por Bolsonaro contra desafetos.
Janja foi outra que recorreu à fórmula na manhã em que Bolsonaro foi alvo de operação da Polícia Federal por suspeita de fraude no cartão de vacinação, em maio. “Bom diaaaaaaaaaaaaaaa”, postou ela.
O estilo contrasta com a mensagem de conciliação evocada por ministros do próprio governo, alinhados à pregação de Lula sobre administrar para todos.
O titular da Agricultura, Carlos Fávaro, incorporou como mantra a ideia de que “a eleição passou”, frase repetida por ele em encontros e entrevistas para abrir canais com o agronegócio, majoritariamente refratário a Lula. O petista já chamou alas do segmento de fascistas.
Outro ministro que repisa a necessidade de deixar as divergências no passado é Márcio Macêdo (Secretaria-Geral da Presidência). “Nós viramos essa página da eleição”, disse ele em entrevista à Folha neste mês. “Estamos trabalhando para incluir todos que queiram ser incluídos.”
Lula evita pronunciar o nome de Bolsonaro e usa substitutos como “titica” (excremento de galinha), vagabundo, “sabidinho que não quis aceitar o resultado eleitoral” e “cidadãozinho que quis dar golpe” —assimilados como ofensas não só ao adversário, mas também à sua militância.
Parlamentares do PL como os deputados federais Carla Zambelli (SP), Júlia Zanatta (SC) e Bibo Nunes (RS) e os senadores Rogério Marinho (RN) e Jorge Seif (SC) se manifestaram contra as declarações.
“Precisamos lembrar ao presidente que […] não somos inimigos do Brasil nem indignos de todas as garantias constitucionais, concedidas a todos os cidadãos”, escreveu Seif em rede social.
Perfis bolsonaristas ecoam a ideia de que a proposta de extirpar radicais seria “criminalização do anticomunismo” e que a menção a animal feita por Lula representaria desumanização de opositores.
A postura de acirramento mereceu reprovação também de Roberto Freire, que apoiou Lula no segundo turno. O presidente nacional do Cidadania disse que “extirpar não é linguajar de quem deseja instaurar civilidade alguma” e que o país não terá paz enquanto persistirem declarações do tipo.
O governo, em nota à Folha, diz que o presidente “reafirma, como fez nessas falas e em muitas outras ocasiões, ser contra ofensas e agressões políticas” e que ele “não fez generalizações”.
Segundo o texto, “as declarações são especificamente sobre quem ofende as pessoas, muitas vezes acompanhadas de familiares, em espaços de convivência. A diferença é bastante clara”.
FALAS DE LULA SOBRE BOLSONARISTAS E OPOSITORES
Má educação
“Um cidadão que faz isso [hostilidade a Alexandre de Moraes] não é um ser humano que você pode ter respeito por ele, é um canalha. Ele precisava pelo menos ser educado. […] Se vale a moda desse cidadão, que vai xingar um ministro que votou uma coisa que ele não gosta, os ministros não terão mais sossego no Brasil”
em 25.jul, em sua live semanal
Deu a louca
“Nós derrotamos o [Jair] Bolsonaro, mas não derrotamos os bolsonaristas ainda. Os malucos estão na rua, ofendendo pessoas, xingando pessoas. E nós vamos dizer para eles que nós queremos fazer com que esse país volte a ser civilizado”
em 23.jul, durante discurso em São Bernardo do Campo (SP)
Juízo final
“Precisamos punir severamente pessoas que ainda transmitem o ódio, como o cidadão que agrediu o ministro Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma. Um cidadão desse é um animal selvagem, não é um ser humano. […] Essa gente que nasceu no neofascismo colocado em prática no Brasil tem que ser extirpada”
em 19.jul, durante entrevista a jornalistas em Bruxelas
Negócios à parte
“Com todo respeito ao mercado financeiro, mais conhecido como o povo da Faria Lima, mas ele nunca gostou ou votou no PT, nunca gostou ou votou no [Fernando] Haddad e não vai votar. […] O Haddad não foi indicado para eles, mas para tentar resolver a vida do povo pobre”
em 13.jul, durante entrevista à TV Record
Impuros
“Era ele [Bolsonaro] e o pessoal dele, [com] a destilação de ódio. […] Tem gente que ficou azeda. É preciso purificar essa gente, para essa gente voltar a ter fraternidade, a ter amor no coração, a ter sensibilidade”
em 4.jul, durante evento em Foz do Iguaçu (PR)
Agrotóxico
“Tem a famosa feira lá em Ribeirão Preto que alguns fascistas, alguns negacionistas, não quiseram que ele [Carlos Fávaro] fosse na feira, desconvidaram meu ministro”
em 6.jun, durante evento em Luís Eduardo Magalhães (BA)
Nós x eles
“A única razão [pela qual] eu voltei a me candidatar a presidente da República foi para provar outra vez à elite atrasada brasileira que um torneiro mecânico é capaz de fazer o que eles não conseguiram fazer em tantos anos nesse país”
em 6.jun, durante inauguração em Goiana (PE)
Tom & Jerry
“‘[Eu respondia:] não está tudo bem. Só vai estar tudo bem quando eu foder esse [Sergio] Moro’”
em 21.mar, durante entrevista para o portal Brasil 247
Isolamento social
“Nós vamos precisar de um tempo para fazer um processo de limpeza, e fazer com que aquelas pessoas que pregam o ódio, aquelas que vivem xingando as pessoas na rua, ofendendo, que essas pessoas sejam isoladas da sociedade brasileira, porque a sociedade brasileira não pensa assim, não é assim e não quer isso”
em 13.fev, durante evento de 43 anos do PT, em Brasília
Luta de classes
“O que aconteceu no Palácio do Planalto, no Congresso e no STF [no 8 de janeiro] foi uma revolta dos ricos que perderam as eleições”
em 6.fev, na posse do novo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante