Parlamento de Israel se dá plenos poderes e abre fendas na sociedade
O tom de desaprovação à medida é ditado pelas multidões que participam de protestos desde o final de março, quando houve a formação do atual governo e — consequentemente — a certeza de que o primeiro-ministro teria força suficiente para conseguir a aprovação das polêmicas propostas. Conforme a data da votação se aproximava, as marchas ficaram mais intensas. Afinal, foram para as ruas tantos os críticos quanto os apoiadores do texto. No meio, as forças de segurança precisaram ser enérgicas para evitar o trancamento das cidades, devido às manifestações. No fim, sobraram as imagens de confrontos entre a população e a polícia. Benjamin Netanyahu chegou a recuar, citando o risco de instabilidade nacional. Paralisou o processo por alguns meses, na tentativa de aliviar a pressão da sociedade, mas jamais desistiu da emenda que diminui a força da Suprema Corte.
O resultado da persistência de Netanyahu — e de suas alianças políticas — se viu no resultado da votação. A coalizão das legendas de direita, com forte carga dos partidos judaico-religiosos, venceu com 64 de vantagem. Soa como vitória acachapante, mas é importante entender os números: os 56 deputados que compõe a oposição se recusaram a votar, em sinal de protesto. Dentro e fora do Knesset (a palavra em hebraico para assembleia), o sentido de um país dividido. Verdade que a democracia é construída pela área da intersecção de lados opostos. Na maioria das vezes, em uma colisão de forças políticas há margem para o senso comum. Porém, neste caso, Netanyahu fugiu à regra, criando uma dicotomia no Parlamento. Usando uma expressão que se tornou popular no Brasil, Israel ficou sem o “centrão” neste episódio. E, nas ruas, cresceram os gritos de “fora, primeiro-ministro”. Mas, diferentemente do presidencialismo, a queda de um governo parlamentarista é bem mais simples. Basta a rede de apoio se desfazer. O primeiro-ministro tem, hoje, 64 apoiadores entre as 120 cadeiras da Assembleia. Se quatro parlamentares mudarem de ideia, acabou a maioria de assentos do governo.
“É apenas uma questão de tempo, ainda mais olhando para o histórico de duração das coalizões, recentemente, em Israel”, reforça o doutor em ciência política pela USP e professor de Relações Internacionais e Pesquisador do Centro Moshe Dayan da Universidade de Tel Aviv, Samuel Feldberg. O docente ainda arrisca dizer que a quebra da estrutura de sustentação de Netanyahu deve ruir a partir do próprio partido, o Likud — legenda, aliás, que há mais tempo administra o Estado de Israel. “Três ou quatro integrantes do Likud no Parlamento podem sair do governo […] por discordar da recente medida aprovada”, completa o professor. Em conversa com a coluna, Feldberg ressalta que o clima de secessão do país não é novidade. O que muda agora é a razão que acentua os opostos. “Já existe um clima de divisão”, arremata o cientista político ao lembrar da constante atmosfera de tensão entre árabes e judeus. “Estamos falando, também, daqueles que são religiosos, laicos, cristãos e eleitores alinhados com a esquerda e a direita”. Entretanto, aqueles que estavam dentro do mesmo espectro — digamos, os judeus — romperam por discordar de como o chefe de governo se esforçou para derrubar um dos alicerces da democracia liberal: a divisão de forças para garantir os chamados “freios e contrapesos”. Ou seja, recursos para evitar o surgimento de ditaduras, autocracias e ameaças do tipo.
Indo direto aos fatos, Benjamin Netanyahu — por meio de sua rede de apoio no Knesset — aprovou uma lei que deixa o Parlamento acima da Suprema Corte. Agora, decisões da mais alta instância da Justiça podem ser derrubadas por uma votação dos deputados. No caso de Israel, a nova realidade torna o Judiciário ainda mais fraco devido à ausência de Constituição. É isso mesmo: Israel não tem uma Carta Magna. As decisões dos magistrados são baseadas nas “Cláusulas de Razoabilidade”, algo como o “Common Law”, herdado dos britânicos. Simplificando: algo como a “Justiça do Senso Comum”, ou do “Bom Senso”.
“Decisões do Parlamento podem ser contestadas caso não atendam uma parcela da população não representada”, como bem resume o professor Feldman. Exemplificando: em comuns disputas territoriais entre palestinos e colonos judeus, a Suprema Corte israelense tende a dar ganho de causa aos árabes. Desde a mudança na lei, o parlamento pode reverter o veredito. Observando que a maioria da Assembleia é conservadora, fácil imaginar quantas destas sentenças não serão revertidas. A explicação fica mais fácil olhando para os partidos dos ultraortodoxos. Religiosos se aglutinaram em torno de Netanyahu, dando o suporte necessário para mantê-lo no cargo de premiê, com a condição de que o governo mantivesse o benefício de liberá-los do serviço militar obrigatório que, em Israel, abraça homens e mulheres. Levando em consideração que em Israel o risco de um conflito armado é iminente, por conta de questões envolvendo palestinos, grupos radicais de origem árabe e ameaças vindas do Irã, livrar-se do Exército é uma tremenda vantagem. Serve à política uma frase cunhada no mundo dos negócios: “Não existe almoço grátis”.