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Ministros do STJ concedem 18 mil habeas corpus em 2024; metade envolve crime de tráfico de drogas

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu 18.318 habeas corpus (HCs) em 2024, dos quais 9.166, cerca de 50%, estão relacionados a crimes de tráfico de drogas. Embora a Corte tenha se mostrado mais restritiva em comparação a 2023 — quando autorizou 10.003 HCs para esse tipo de infração, de um total geral de 18.552 —, os totais ainda são considerados elevados, sinalizando que os tribunais inferiores frequentemente não seguem os entendimentos consolidados da Corte, o que contribui para a insegurança jurídica no País.

Até o final de novembro de 2024, os ministros concederam 9.166 habeas corpus relacionados a tráfico de drogas, de um total de 34.748 análises desse tipo de ação, conforme levantamento do jurista e pesquisador David Metzker, que compilou decisões favoráveis em HCs do Supremo Tribunal Federal (STF) e do STJ. Procurada, a Corte ainda não se manifestou, o espaço segue aberto para posicionamentos.

O STJ, composto por 33 ministros, tem como uma de suas funções uniformizar a interpretação das leis federais, estabelecendo diretrizes obrigatórias para os tribunais inferiores por meio de súmulas, que consolidam entendimentos reiterados, e precedentes, criados quando o Tribunal resolve um grande volume de casos idênticos e fixa uma tese jurídica para aplicação uniforme em todo o País.

Entre suas competências está a revisão de casos penais, designados às 5ª e 6ª Turmas, onde a Corte analisa, por exemplo, temas relacionados à Lei de Drogas, que chegam, em sua maioria, por meio de habeas corpus — instrumento jurídico destinado a garantir a liberdade de quem foi supostamente preso de forma ilegal ou abusiva. Os pedidos são apresentados ao STJ somente após serem negados nas instâncias inferiores, como os Tribunais de Justiça (TJs) ou juízes de primeira instância, responsáveis por avaliar os fatos e determinar a sentença inicial. Assim, o STJ atua como uma instância revisora, assegurando a aplicação uniforme da legislação federal.

Para Metzker, o elevado número de habeas corpus concedidos está diretamente relacionado à recorrente falha dos tribunais inferiores em aplicar o entendimento consolidado pelo STJ. Entre os exemplos citados pelo jurista como temas frequentes nas concessões de casos relacionados ao tráfico estão a redução de penas para réus primários com bons antecedentes — critérios que podem levar à liberdade provisória —, concessões envolvendo apreensões inferiores a 50 gramas de drogas, predominantemente maconha e cocaína, e a revogação de prisões preventivas. Neste último caso, os ministros do STJ têm destacado que, em muitas situações, os requisitos legais para justificar a prisão provisória não são devidamente fundamentados, o que leva à concessão do habeas corpus.

“A alta quantidade de habeas corpus concedidos, na minha avaliação, ocorre principalmente porque os tribunais de origem não seguem o entendimento do STJ. Os temas são sempre os mesmos,” explica, destacando que 98% das concessões são decisões monocráticas — ou seja, proferidas individualmente pelos ministros —, permitidas apenas em casos de decisões contrárias à jurisprudência consolidada da Corte.

O criminalista e professor de Direito Penal da PUC-RS, Aury Lopes Jr., concorda e afirma que há uma “banalização” no uso de habeas corpus, causada pelos equívocos recorrentes dos tribunais inferiores, o que, em sua avaliação, explica o elevado número de pedidos. Entre as soluções, o jurista defende que os magistrados adotem critérios mais claros e objetivos ao julgar esses casos, alinhando-se aos entendimentos das Cortes superiores.

“Esse aumento é sintoma de uma doença grave nas instâncias inferiores do poder judiciário, ou seja, é sintoma de que está se violando a regra do jogo em primeiro grau e em segundo grau, existindo muitas vezes um sistemático descumprimento de decisões, às vezes até sumuladas, ou de decisões consolidadas do STJ”, explica.

Ministros do STJ que mais concederam HCs

Considerando as concessões de mérito — ou seja, decisões definitivas sobre o caso, excluindo as liminares, que são decisões provisórias —, entre os 17.215 habeas corpus concedidos em 2024 pelas 5ª e 6ª Turmas, os ministros que mais autorizaram ações desse tipo foram Antonio Saldanha Palheiro, que analisou 9.771 casos e concedeu 2.267 HCs (23,20%). Em seguida, aparecem Rogério Schietti Cruz, com 10.174 decisões e 2.086 concessões (20,50%), Ribeiro Dantas, com 9.402 julgamentos e 1.922 HCs concedidos (20,45%), e Reynaldo Soares da Fonseca, com 8.947 decisões e 1.825 concessões (20,41%).

Por outro lado, entre os ministros mais rigorosos, destaca-se Messod Azulay Neto, com 10.113 decisões e 1.320 concessões (13,06%), seguido por Joel Ilan Paciornik, que analisou 8.420 casos e autorizou 1.175 HCs (13,95%). Já Og Fernandes, que retornou à 6ª Turma no final de agosto, após deixar o cargo de vice-presidente da Corte, julgou 2.831 casos e concedeu apenas 222 HCs (7,84%).

Quando considerados os números absolutos das 18.318 concessões, incluindo liminares, o ministro Rogério Schietti lidera o ranking, com 2.466 concessões, seguido por Antonio Saldanha, com 2.323, e Daniela Teixeira, com 2.307. Na sequência, estão Sebastião Reis Júnior, com 1.975 concessões, Ribeiro Dantas, com 1.940, e Reynaldo Soares da Fonseca, com 1.855. Outros ministros em destaque são Messod Azulay Neto (1.361 concessões), Jesuíno Rissato (1.290), Joel Ilan Paciornik (1.225), Otávio de Almeida Toledo (950), Og Fernandes (291) e Teodoro Silva Santos (255).

O levantamento também aponta que o Tribunal de Justiça de São Paulo lidera, em números absolutos, o descumprimento dos precedentes do STJ, registrando o maior número de concessões de habeas corpus na Corte. Dos 18.318 HCs concedidos, 8.765 são originários de São Paulo, representando cerca de 47% do total.

O presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Renato Vieira, alerta que o elevado número de HCs concedidos gera insegurança jurídica no País, especialmente porque tribunais estaduais, como o de São Paulo, não estão seguindo os entendimentos consolidados pelo STJ e STF.

“É necessária uma mudança no comportamento dos tribunais de segundo grau. Essa insegurança jurídica no Judiciário brasileiro é muito grave”, enfatiza Vieira, destacando que essa desconexão entre as instâncias pode levar a um sistema jurídico instável, no qual cidadãos não têm previsibilidade sobre o desfecho de casos semelhantes.

O jurista também aponta que a insegurança jurídica enfraquece a confiança e a legitimidade do sistema judicial, além de sobrecarregar o Judiciário com o aumento do volume de recursos apresentados às Cortes Superiores. “Esse cenário precisa mudar”, conclui.

Estadão

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